Para que as raízes e as asas cheguem juntas.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Paraíso submerso

(assim como é em cima é embaixo*)

De um dia para o outro a alegria da praia em pleno verão apagou-se.

O que parecia uma simples e deliciosa chuva de verão no último dia 21 acabou durando demais, se transformando numa tragédia para os habitantes da paradisíaca ilha de São Francisco.

Em dois dias, choveu por uma vida inteira para alguns. Uma vida inteira construindo sua casa tijolinho por tijolinho, heroicamente comprados com o que sobrava do minguado salário – quando havia – de repente se dilui como um castelo de areia.

Do fogão e da geladeira ainda novos, ficou o carnê inteiro por pagar. Agora eles boiam na correnteza e irão parar numa curva de rio qualquer junto com outros móveis de vizinhos. Lixo.

Desta vez, depois da tempestade, não virá a bonança. Não haverá casa para voltar, nem uma cama seca para descansar da noite sem dormir, não haverá travesseiro para chorar abraçado.

A roupa passada para o show na Ponta da Enseada flutua na água barrenta junto com todas as outras. Por onde andará Armandinho numa hora dessas. Será que chora por seus fãs? 

Um grito de dor. O choro da criança com sede. Da torneira não sai água. Pessoas tateiam no escuro procurando um caminho para ir. Aonde? É a vida em situação de emergência, quase calamidade, em 60 cidades de Santa Catarina.

Em meio a este cenário trash, os lamentos são ouvidos por gente do outro lado da vida. Gente que interrompe sua pacata e feliz vidinha para ajudar outros a sofrerem menos. Estes sim, são nossos heróis voluntários. Também, ao menos desta vez, aqueles que costumam falhar na difícil missão de tornar a vida das pessoas melhor – o poder público – se uniu à sociedade civil para amenizar o sofrimento dos atingidos pela tragédia ambiental ocorrida em São Francisco do Sul.

Foram oito mil e quinhentas pessoas atingidas. Cerca de mil e quinhentas desabrigadas. Destes, duzentos foram alojados nas dependências de uma escola pública onde receberam além do carinho dos voluntários, assistência adequada do poder público. Ao menos até agora, enquanto o assunto está na mídia nacional.

Ações como a aplicação de vacinas antitetânica e hepatite B, monitoramento das pessoas que tiveram contato com a água das enchentes que têm risco de lepstopirose, medicamentos, orientações de higiene pessoal e manipulação de alimentos em abrigos, como também distribuição de hipoclorito para uso no tratamento da água e alimento disponíveis em nas unidades de saúde não devem ser enaltecidas com fotos em ampla divulgação, como é o hábito.

O que vem sido feito em prol das vítimas é bonito, mas tem nada de louvável. É obrigação. O prefeito não está tirando dinheiro do bolso para realizar essa tarefa. É o trabalho dele. Por isso, caros desabrigados, não se sintam em dívida para com ele.

Ao invés de unirmos as mãos para rezar somente por uma melhor sorte, usemos a voz que Deus nos deu para falar – alto se preciso for – e exigir os direitos de todos os cidadãos francisquenses. Fiscalização de construções irregulares, saneamento, obras de infraestrutura principalmente nos bairros onde inglês não passa que são os mais atingidos pelas enchentes e antes de tudo, educação para que o povo descubra por si só, que ele pode sim, escolher. Onde morar, o que exigir e como fazer isso.

E que isso não aconteça somente até a chuva passar.

Fernanda de Aquino, em 'O Correio Do Litoral'

 
Ante Rem - Colour Of Nature - from San Francisco

* Adendo meu.

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