Para que as raízes e as asas cheguem juntas.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ah! Mar

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Não basta amar. Tem que parecer que ama. Tem que participar. Tem que saber amar. Ôoo verbinho difícil de conjugar. Esse, ao contrário de outras habilidades – como andar de bicicleta que ou se aprende cedo ou não se aprende mais – é amigo do tempo, é uma questão de prática, de maestria.

Não me refiro à experiência porque isso cheira a malandragem, a domínio de técnica, mas de tempo mesmo, na mais pura acepção da palavra. Aquele que se aloja nos vãos das rugas dos velhinhos enamorados, que faz os cabelos brancos virarem prata como as luas cheias. Infindáveis e mornas luas cheias.

Esse senhor que já não veste vermelho há tempos. Que agora se adorna com um manto quase branco de imaculado, pois que a cada segundo se refaz de ponta a ponta, não sobrando nada do sofrer de ontem no amor de hoje.

Penso que todos os grandes amores deveriam ser vividos na praia. É onde eles ficam mais bonitos. Tomam ares de eternidade, como nas fotos de turismo, onde seremos sempre livres e plácidos como um mar de verão.
 
Na praia, o amor é onipresente. Até mesmo para aquele que, sentado na areia, se entrega ao por do sol chorando a falta do seu amor que está preso numa dessas armadilhas da vida nas cidades. Pobres desses amores que nunca vêm, para os quais a montanha não é o caminho da felicidade e sim um muro difícil de transpor. 

Sinto ainda por aqueles que não conseguiram sobreviver ao próprio amor – que isso é coisa de gente corajosa – e o deixaram vagando pelas ondas e areias como uma lembrança e onde ele lá ficará como cão sem dono, talvez para sempre.

Mas aqueles que deixaram um amor ir porque ele estava mais para desamor e o amor próprio venceu, estes sim são reais amadores, amantes, portadores do amor. Para esses, o ser amado é apenas uma realidade aparente e impermanente, um ser que compartilha e não o objeto em si. Se o ser amado já não existe mais, o amor se transforma em bênçãos para o mundo. Amor não combina com dor.

Vejo o amor-presente nas dezenas de casais brancos como pombos, caminhando de mãos dadas no meio da rua, pondo suas mãos ao mesmo tempo na fruta a ser escolhida na banca do supermercado, ajeitando a roupa desajeitada do outro, nas centenas de olhares trocados num tempo em que se sente tanto, que as palavras já ficaram sem sentido.  
Para ser feliz assim é preciso coragem... De arremessar-se nu num céu de abóbada de um azul infinito, sem querer promessas de amparo. É preciso ainda saber ficar quietinho no fundo do sofá da sala por dias e dias, até que o vento vá, que a chuva cesse, que o mar se acalme, que alguém venha enfeitar o ar entre as suas paredes... Sem se perder. 

O poeta tinha razão – o amor de fato, o amor de graça, esse começa tarde. É impossível saborear seus doces frutos em meio às tempestades da pele fresca e dura onde borbulham feromônios, quando sempre se quer chegar sem nunca estar em lugar algum. Depois, passada a angústia da juventude, ele vem como um profiterole, um petit gateau. O céu na terra. Com direito a banhos de mar nas águas de março. Mornas, maduras e vivas, onde o corpo – esse velho conhecido – se funde e o coração cansado encontra antecipadamente aquilo que virá. Depois de tudo já experimentado, ele vem. Mesmo que desencarnado, mesmo que vestido de memórias, mesmo que sozinho guardado dentro do peito, ele vem.

E então, é só celebrar. Com beijos, afagos e afetos, com champanhe na beira da praia em noites quentes de lua... Com a areia deslizando áspera sob cada curva do pé, com banhos de mar intermináveis de onde se sai sempre pronto para o que der e vier... Com saudade do tão bem vivido...

Com a alma inteira no ato de amar.

por Fernanda de Aquino no Correio do Litoral
Dom, 17 de Outubro de 2010

2 comentários:

  1. Que lindo isso!!!! Texto, imagens, promessas... Inundou seu blog - e quem o lê- de energia. Pra lá de boa. Deu até pra sentir a brisa do mar vagando dentre essas paredes. Obrigada, amore! Foi um presente. Assim como a bela memória do Atacama...

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  2. Já lhe disse: quem tem de agradecer sou eu, a você!

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